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Descredenciamento de rede de plano de saúde gera dano moral?

  • Foto do escritor: Georgia Gomide
    Georgia Gomide
  • 20 de out. de 2022
  • 9 min de leitura

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No último dia 14 de outubro foi noticiado na imprensa o aumento no número de reclamações dos segurados da SulAmérica à ANS por conta do descredenciamento de vários serviços de saúde da rede da seguradora.


Segundo os relatos, os segurados foram surpreendidos com o descredenciamento de hospitais e laboratórios ao tentarem realizar agendamento. Ou seja, os clientes não foram comunicados pela seguradora sobre as alterações na rede credenciada, conforme determina a legislação específica do setor.


Este já é o terceiro descredenciamento de rede de atendimento operadoras de plano de saúde no ano de 2022.


Em janeiro, a Amil descredenciou hospitais e laboratórios durante a transferência dos planos da operadora para a APS - Assistência Personalizada em Saúde. Em março de 2022 a Prevent Senior descredenciou 15 hospitais.


Mas será que o plano de saúde pode descredenciar estabelecimentos e profissionais da sua rede? Quais são os direitos dos consumidores?


O art. 17 da Lei 9.656/98, a lei que rege os planos de saúde, dispõe sobre a possibilidade de descredenciamento por parte das operadoras, mas, para isso, é preciso cumprir alguns requisitos.


Já a Resolução Normativa nº 365 da ANS dispõe sobre os critérios de equivalência para a substituição dos prestadores de serviço da rede.


Há dois tipos de descredenciamento, por substituição e por exclusão.


No descredenciamento por substituição, a operadora substitui o profissional ou estabelecimento por outro de qualidade técnica semelhante. Neste caso, tanto o beneficiário quanto a ANS precisam ser avisados do descredenciamento com 30 dias de antecedência.


No caso de descredenciamento por exclusão, além do aviso prévio ao beneficiário com 30 dias de antecedência, a operada deverá solicitar autorização expressa da ANS. Na comunicação à ANS, a operadora deverá informar (i) nome da entidade a ser excluída; (ii) capacidade operacional a ser reduzida com a exclusão; (iii) impacto sobre a massa assistida, a partir de parâmetros definidos pela ANS, correlacionando a necessidade de leitos e a capacidade operacional restante; e (iv) justificativa para a decisão, observando a obrigatoriedade de manter cobertura com padrões de qualidade equivalente e sem ônus adicional para o consumidor.

Além disso, seja no descredenciamento por substituição ou descredenciamento por exclusão, aquele beneficiário que já está em tratamento em determinado estabelecimento ou com determinado profissional tem direito de manter o tratamento da forma que está sendo feito, com o profissional que foi descredenciado ou com o estabelecimento que foi descredenciado.


O que fazer em caso de descredenciamento?


Todo beneficiário de plano de saúde tem o direito de exigir a manutenção da rede credenciada que contratou quando aderiu ao plano de saúde.


Para isso, a solução será levar a questão ao Judiciário através da propositura de ação de obrigação de fazer com pedido de dano moral.


Em casos mais urgentes, como por exemplo o paciente que está em tratamento médico em um hospital que será descredenciado da rede, caberá também o pedido de tutela de urgência para determinar a manutenção do atendimento pelo plano no mesmo local.


Isto porque o paciente que está em tratamento médico, ainda que não esteja internado, não pode ser obrigado a interromper o tratamento médico, nem ser obrigado a se adaptar ao tratamento em outro hospital.


Para ingressar com a ação judicial será indispensável reunir toda a documentação necessária, tal como a devida comprovação de determinado hospital, laboratório ou profissional era credenciado à rede da operadora antes da decisão de descredenciamento.


Esta prova pode ser feita com um ‘print’ da rede credenciada disponível no site da operadora ou, ainda, com o livro fornecido pelo plano de saúde com as informações sobre os serviços credenciados.


Além disso, é indispensável o relatório médico do profissional que acompanha o paciente com informações detalhada sobre o tratamento e, se possível, com a informação de que não há previsão de alta médica.


Outra opção para o segurado é abrir uma denúncia na ANS, a chamada NIP (notificação de investigação preliminar). Neste caso, a operadora poderá ser multada com base na Resolução Normativa 489 ANS, quando não cumprir as regras estabelecidas para descredenciamento.


Entendimento da jurisprudência sobre descredenciamento de estabelecimentos e profissionais da saúde


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais.



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Segundo o STJ, o beneficiário de plano de saúde tem o direito de ser informado sobre a modificação da rede conveniada, nos termos dos arts. 6º, III, e 46 do CDC que instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência. Isto porque somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas.


No entendimento da jurisprudência, o direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas.


Nessa toada, o entendimento é que a ausência da prévia notificação do usuário de plano de saúde sobre o descredenciamento configura violação ao dever de informar que, por sua vez se trata de conduta abusiva que enseja indenização por dano moral.



“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. DESCREDENCIAMENTO DE CLÍNICA MÉDICA. COMUNICAÇÃO PRÉVIA AO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PREJUÍZO AO USUÁRIO. SUSPENSÃO DE TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. (...) 2. Cinge-se a controvérsia a saber se a obrigação das operadoras de plano de saúde de comunicar aos seus beneficiários o descredenciamento de entidades hospitalares também envolve as clínicas médicas, ainda que a iniciativa pela rescisão do contrato tenha partido da própria clínica. 3. Os planos e seguros privados de assistência à saúde são regidos pela Lei nº 9.656/1998. Não obstante isso, incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor (Súmula nº 608), pois as operadoras da área que prestam serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo. 4. Os instrumentos normativos (CDC e Lei nº 9.656/1998) incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida. São essenciais, assim, tanto na formação quanto na execução da avença, a boa-fé entre as partes e o cumprimento dos deveres de informação, de cooperação e de lealdade (arts. 6º, III, e 46 do CDC). 5. O legislador, atento às inter-relações que existem entre as fontes do direito, incluiu, dentre os dispositivos da Lei de Planos de Saúde, norma específica acerca do dever da operadora de informar o consumidor quanto ao descredenciamento de entidades hospitalares (art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998). 6. O termo entidade hospitalar inscrito no art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998, à luz dos princípios consumeristas, deve ser entendido como gênero, a englobar também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados. O usuário de plano de saúde tem o direito de ser informado acerca da modificação da rede conveniada (rol de credenciados), pois somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas. Precedente. 7. É facultada à operadora de plano de saúde substituir qualquer entidade hospitalar cujos serviços e produtos foram contratados, referenciados ou credenciados desde que o faça por outro equivalente e comunique, com 30 (trinta) dias de antecedência, aos consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ainda que o descredenciamento tenha partido da clínica médica (art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998). 8. Recurso especial não provido.” (REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJ: 13/8/2019)

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“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEGATIVA DE TRATAMENTO. HOSPITAL NÃO CREDENCIADO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO. ABUSIVIDADE. DANO MORAL. SÚMULA Nº 83/STJ. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. INCIDÊNCIA. DEVER DE INFORMAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a recusa indevida ou injustificada, pela operadora de plano de saúde, de autorizar a cobertura financeira de tratamento médico, a que esteja legal ou contratualmente obrigada, enseja reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário 2. Incide, na espécie, a Súmula nº 83/STJ, segundo a qual "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida", aplicável a ambas as alíneas autorizadoras. 3. Rever as condições da recusa da cobertura financeira de tratamento em hospital e por médico não conveniados/credenciados encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte. 4. A rede conveniada constitui informação primordial na relação entre o associado e a operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e à futura manutenção do vínculo contratual. 5. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais (REsp nº 1.144.840/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 11/4/2012). 6. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 431999/MA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 10/06/2014, DJe 17/06/2014)”

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“CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. REDE CONVENIADA. ALTERAÇÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO ADEQUADA. COMUNICAÇÃO INDIVIDUAL DE CADA ASSOCIADO. NECESSIDADE. 1. Os arts. 6º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. 3. A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual. 4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. 5. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1144840/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 20/03/2012, DJe 11/04/2012)

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Por sua vez, em relação ao montante cabível a título de indenização por danos morais por ausência de notificação do consumidor sobre o descredenciamento, o Tribunal do Estado do Rio de Janeiro costuma fixar a condenação entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais).


“APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. ALEGAÇÃO DE TRANSTORNOS DURANTE A GESTAÇÃO COM O DESCREDENCIAMENTO DE HOSPITAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. Demandante que se encontrava gestante e precisou se deparar com descredenciamentos de hospitais, o que, consequentemente, impedia o acompanhamento dos médicos que a assistiam. Conquanto a contratação e dispensa dos profissionais, laboratórios e hospitais que compõem a rede credenciada seja possibilitada aos planos de seguro saúde, devem ser observados os requisitos previstos no art. 17 da Lei 9.656/98. Ausência de comprovação de notificação do consumidor com a antecedência estipulado no §1º do citado artigo. Falha no dever de informação. Violação do art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Dano moral configurado. Valor de R$ 5.000,00 que se mostra razoável e proporcional à hipótese em comento. Inexistência de débito a ser declarado extinto, porquanto a 1ª Ré comprovou ter arcado com as despesas do parto e observado as especificidades contratuais, não tendo a Autora acostado qualquer documentação relacionada a despesas por ela assumidas. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJRJ - 0056355-96.2019.8.19.0054 - APELAÇÃO. Des(a). DENISE NICOLL SIMÕES - Julgamento: 11/10/2022 - QUINTA CÂMARA CÍVEL )

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“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. SAÚDE SUPLEMENTAR. DESCREDENCIAMENTO DA REDE D'OR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MODIFICAÇÃO DA REDE CREDENCIADA SEM NOTIFICAR O CONSUMIDOR E INDICAR OUTRAS CLÍNICAS EQUIVALENTES, EM SUBSTITUIÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO ART. 17, § 1º DA LEI Nº 9656/98. NÃO EVIDENCIADA DESCONTINUIDADE DE TRATAMENTO. AUSÊNCIA DE RECUSA DE ATENDIMENTO. DANO MATERIAL NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL DELINEADO. VIOLAÇÃO AO DIREITO DA PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR E BOA FÉ-OBJETIVA. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 8.000,00 (OITO MIL REAIS). [...]15. Recurso conhecido e parcialmente provido.”(TJRJ - 0122225-19.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). JDS ISABELA PESSANHA CHAGAS - Julgamento: 14/09/2022 - VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

No mesmo sentido; 0028246-97.2020.8.19.0002 - APELAÇÃO. Des(a). VITOR MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES - Julgamento: 04/10/2022 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL; e 0019631-49.2019.8.19.0004 - APELAÇÃO. Des(a). LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA MARQUES - Julgamento: 22/09/2022 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)



CONCLUSÃO


O descredenciamento de hospitais, laboratórios, clínicas e profissionais em desacordo com a legislação específica do setor é uma conduta abusiva que ocorre de forma rotineira no setor.


Isto porque as operadoras de plano de saúde sabem que apenas um número pequeno de consumidores, em relação ao montante total de clientes, irá recorrer ao Judiciário para buscar o direito de manutenção da rede credenciada.


Diante de um descredenciamento que não atenda aos requisitos fixados na legislação, busque a orientação de uma advogada especializada em Direito da Saúde.

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